sábado, 8 de novembro de 2008

o vaticano, os cristãos e os transgênicos

Jesus Cristo fez da ceia um sinal privilegiado de sua presença no mundo. Desde então, as comunidades cristãs aprenderam a considerar todo alimento como expressão do dom amoroso de Deus. Isso é herança do judaísmo. Um rabino dizia: “Quem come sem dar graças apossa-se indevidamente de algo que recebeu de Deus. Portanto, esta pessoa não tomou o alimento. Roubou-o”. Uma verdadeira espiritualidade não divide corpo e alma. Jesus ensinou aos discípulos orar ao Pai e incluir na prece do “Pai nosso” a preocupação com o pão de cada dia. A uma irmã que lhe perguntou onde encontrava mais a Deus, a grande mística Santa Tereza respondeu: “nas panelas da cozinha”. A sacralidade do alimento como dom de Deus se expressa na forma sadia de alimentar-se, no cuidado com a vida de todos e no respeito à terra e à dignidade dos seres vivos. Por isso, é de se esperar que pastores das igrejas cristãs, sempre atentos em defender o que chamam de “lei natural”, se mobilizem para lutar contra os alimentos transgênicos, ou seja, grãos vindos de sementes geneticamente modificadas. De um governo - que sirva verdadeiramente ao seu povo e não aos interesses das multinacionais – esperamos uma atitude firme e que não ceda às pressões para abrir o país a este mercado. Será que alguém, em sã consciência, pensa mesmo que alimentos transgênicos são feitos para diminuir a fome dos países pobres? Por acaso, as cinco grandes multinacionais que, no mundo inteiro, controlam toda a produção de sementes transgênicas as produzem pensando em beneficiar os países pobres ou em resolver o problema da fome? Todo mundo sabe que todo e qualquer cultivo transgênico está patenteado. As sementes não podem ser usadas para uma nova semeadura sem pagar os direitos de patente. Além disso, a Monsanto e as outras multinacionais que produzem transgênicos têm patentes sobre a tecnologia “Terminator” : sementes suicidas que não germinam na segunda geração. E elas mesmas fabricam e vendem os produtos químicos agrícolas (agrotóxicos) que envenenam nossos rios, destroem ecossistemas e provocam, em nós e nos animais, doenças que não sabemos como as contraímos. Condicionam a compra do alimento transgênico ao agrotóxico por elas produzidos. É venda casada. Comprou uma coisa tem de adquirir a outra. O lucro das empresas garante venenos para todos os gostos e em todas as etapas da produção: na terra que se cultiva, na semente fabricada artificialmente para ser estéril e assassina e no alimento que vem às nossas mesas. O Doutor Frankeinstein ficaria muito feliz com esta nova versão de sua engenhosidade. Todo ser humano depende de alimento e não pode ser uma comida qualquer. Pensemos nos desequilíbrios da anorexia: a pessoa que não consegue alimentar-se pode até morrer porque a angústia vital lhe impede de ingerir alimentos. Pensemos, ao contrário, em mais de um bilhão de seres humanos que quer comer e não tem. Há também a ansiedade da multidão que hoje faz dieta ou as muitas pessoas que engordam de forma descontrolada. Isso existe mesmo entre a população negra e pobre dos Estados Unidos, como entre os índios do Brasil. Tudo isso revela que não basta alimentar-se. É preciso saber como e por quê. Há vários níveis de fome como graus diferentes de segurança alimentar. A fome não se sacia com qualquer tipo de comida. A saúde só é garantida com um alimento saudável e recebido de forma adequada. Seguir uma dieta significa buscar a forma correta de receber através do alimento a energia de vida neles contida. Como se dará isso se este fluxo de energia vital dos alimentos não existe mais? Ou é exatamente pensado para não passar energia e não comunicar vida e sim lucro a quem vende o alimento e dependência econômica e mesmo morte a quem cultiva e recebe o produto? A “segurança alimentar” só pode significar a preocupação e o compromisso em garantir alimentos com os atributos adequados à saúde dos consumidores. Ou seja, um correto teor nutriente, sem contaminação de natureza química, biológica ou física e nada que possa prejudicar a saúde do povo. Quem vive uma espiritualidade ecumênica procura ir à raiz das questões. Não aceita que se ponha em risco a vida dos seres humanos e a integridade do planeta apenas por interesses econômicos das multinacionais. Elegemos governantes para nos representar. Eles, sem nos consultar, não podem nos substituir nas decisões fundamentais à vida de todos. É estranho um cristão ouvir o ministro pronunciar as palavras de Cristo sobre o pão: “Isto é o meu corpo” e saber que aquele pão é feito de trigo transgênico, produzido com tecnologia “Terminal” suicida e cultivado com agrotóxicos mortíferos. Temos o direito de ver em toda a natureza os sinais da presença de Deus, energia de amor do universo.
* Marcelo Barros, monge beneditino e escritor.

2 comentários:

Cida Cotrim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniella Paula disse...

Muito bom, meu caro!
E obrigada pela visita em meu singelo espaço... Enquanto a ligação das figuras com o texto, você consegue perfeitamente, pois é sensível. E esse tipo de leitura só necessita disso: Sensibilidade!

Parabéns por Ser!

Cheiros!