sábado, 8 de novembro de 2008

fernando pessoa

Vem e arranca-me. Do solo de angústia e de inutilidade.Onde vicejo. Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido.Folha a folha não sei que sina. E desfolha-me para teu agrado silencioso e frescoVem sobre os mares. sobre os mares maiores.Sobre os mares sem horizontes precisos, vem e passa a mão sobre o dorso da fera. E acalma-o misteriosamente. Ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito! vem cuidadosa. Vem maternal. Pé ante pé enfermeira antiqüíssima, que te sentaste.À cabeceira dos deuses das fés já perdidas.Alguns versos do poema: Dois fragmentos de odes - Fernando pessoa

INTERVALO Quem te disse ao ouvido esse segredoQue raras deusas têm escutado -Aquele amor cheio de crença e medoQue é verdadeiro só se é segredado?...Quem te disse tão cedo? Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.Não foi um outro, porque não sabia.Mas quem roçou da testa teu cabeloE te disse ao ouvido o que sentia?Seria alguém, seria?Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?Foi só qualquer ciúme meu de tiQue o supôs dito, porque o não direi,Que o supôs feito, porque o só fingiEm sonhos que nem sei? Seja o que for, quem foi que levemente,A teu ouvido vagamente atento,Te falou desse amor em mim presenteMas que não passa do meu pensamentoQue anseia e que não sente? Foi um desejo que, sem corpo ou boca,A teus ouvidos de eu sonhar-te disseA frase eterna, imerecida e louca -A que as deusas esperam da lediceCom que o Olimpo se apouca. Fernando Pessoa

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