Carta a um filho
Filho.
Completas hoje dezoito anos.
Vais, daqui por diante, por certo, com o orgulho natural de todo jovem, que já és maior.
Um homem livre, portanto.
Ah, a liberdade!
Sabes o que é a liberdade, filho?
Como? O direito de fazeres o que quiseres?
Não, filho. Liberdade não é isso.
Liberdade é, de fato, um direito que deves sempre defender vigorosamente.
Direito não de fazeres o que quiseres mas sim, o que puderes.
Todos somos livres. Mas atenta:
A liberdade absoluta, filho inexiste.
Exceto, talvez no pensar.
Ninguém – ninguém! –pode limitar o nosso pensamento.
Como os tiranos apreciariam ter o privilégio de confiscar-nos o pensamento!
Podem, sim, quando muito, pela violência, impedir-nos de expressa-lo.
É que têm medo do que pensamos, porque sabem em que e por que pensamos...
Mesmo os pássaros, dispondo de todo o Universo, sabem até onde, com o seu vôo, podem chegar.
Dali não passarão, pois compreendem que se o fizerem ultrapassarão a liberdade que a Natureza lhes conferiu.
O instinto os faz entender que não podem abusar da liberdade.
Se abusarem da liberdade, perdê-la-ão...
É inato neles o sentido da responsabilidade.
És, portanto, filho, um homem livre.
Mas cuida dessa liberdade.
Julga-te maior.
Que é ser maior?
Sabes que a idade não mais se mede, cronologicamente, pelos anos de vida?
Um idoso pode ser, na realidade um menor se a sua conduta perante a sociedade, revelar o que as convenções consideram atitudes irresponsáveis.
No entanto, um menor pode, mentalmente, ser maior, se se conduzir conscientemente, conforme os preceitos ditados por aquelas convenções.
Um menor, em suma, se pode revelar maior.
Um maior pode ser, em realidade, um menor.
Quantos homens, filho, estão plenamente enquadrados num e outro caso!
A questão de idade, no homem, portanto, é muito relativa.
Em vez de maior, filho, procura, sim, ser grande.
Compreende: a grandeza, aqui, não significa opulência, fama, riqueza, poder.
Gostaria –oh, como gostaria!
--que fosses, grande na bondade, em primeiro lugar.
Homem bom, mesmo nos dias terríveis por que atravessa a humanidade, significa esperança, evidencia fé.
Porque o bom é o forte, embora aparentemente não pareça.
O bom é, por formação, o honesto.
Resistirá a corrupção, que é uma forma horrivelmente deformante da maldade.
Conseqüentemente, não corromperá –e não será um mau.
O bom é sábio e, como sábio, sabe que é pela sabedoria que a humanidade encontrará o caminho da redenção.
É por isso, filho, que te aconselho seres grande sobretudo na bondade.
Mas cuida disto; não esperes recompensas.
Bondade é benefício que, em geral, é retribuído com ingratidões.
A humanidade tem sofrido tantas agruras que ainda não aprendeu a receber o bem e retribuí-lo com o próprio bem.
Quando obtém o mau, jamais o esquece... Aprende, pois, filho, desde já, a fazeres o bem sem olhares a quem.
Pouco importa o reconhecimento.
A tua consciência é que te agradecerá, como a consciência do mau é que o acusará e o condenará implacavelmente.
Ser bom, entretanto, filho, não é ser passivo, diante do mundo.
Pelo contrário: é lutar pelo seu aperfeiçoamento.
É ser indomável.
Lembra-te de que na Galiléia nasceu um bom e que a sua luta –luta mansa, sem violência, foi memorável .
Suas idéias aí estão, graniticamente, desafiando os Tempos, buscando e conseguindo, mesmo a duras penas, aperfeiçoar a humanidade.
Foi ele um sacrificado?
Mas se o seu sacrifício foi exemplo imorredouro do indomável deixando para os pósteros demonstração marcante e inequívoca de que sem sacrifícios nada se conseguirá do mundo e nada de bom e permanente a ele se oferecerá!
Portanto, filho, se fores um bom, serás, então, um lutador, um indomável, um maior, um grande, no bom sentido, com vastas possibilidades de te destacares do comum dos homens, continuamente preocupados em derrotar, em humilhar, em destruir, em devorar o semelhante.
Procura vencer o bom e leal combate, sim, mas que as tuas vitórias não constituam desonrosas derrotas para ti e para os que tenham contigo concorrido.
Muitas vezes uma derrota pode transformar-se numa esplendida vitória, porque traz o bem e não o mal.
Finalmente, filho, torna o teu coração imune ao ódio.
Ama.
Ama o mundo. Ama a humanidade.
Ama a liberdade, o estudo, o trabalho.
Ama o próximo como a ti mesmo.
Abomina a guerra. Repele a violência.
Expulsa o medo. Cultiva a coragem.
Luta pela paz entre os homens. Tem fé.
Lembra-te de que é homem, moldado por Deus à sua semelhança.
Não o desfigures.
Não o decepciones.
Do teu
Pai.Texto extraído da contracapa do livro “carta a meu pai” Kafka.
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