quarta-feira, 15 de outubro de 2008

contodefadas

“ O Rei Sapo”
Alguns contos de fadas enfatizam o desenvolvimento longo e penoso que unicamente nos permite ganhar controle sobre aquilo que parece animalesco em nós, enquanto que, inversamente, outros contos se concentram no choque de reconhecimento que se dá quando o que parecia animal repentinamente se revela a fonte da felicidade humana. O conto dos irmãos Grimm “O Rei Sapo” pertence a última categoria. Uma versão do Rei sapo é mencionada já no século XIII.
Uma versão do Rei Sapo publicada em 1815, começa com três irmãs. As duas mais velhas são arrogantes e insensíveis; só a caçula se dispõe a ouvir as súplicas do sapo. Na versão dos Grimm mais conhecida atualmente, a heroína também é a caçula, mas não se especifica quantas são as irmãs.
“O Rei Sapo” começa com a princesa caçula brincando com sua bola de ouro junto a um poço. A bola cai dentro dele e a menina fica desolada. Um sapo aparece e lhe pergunta o que a aflige. Oferece-se para devolver-lhe a bola de ouro caso ela o aceite como companheiro que se sentará a seu lado, beberá de seu copo, comerá de seu prato e dormirá consigo. Ela assim promete, pensando consigo mesma que um sapo nunca poderia ser companheiro de uma pessoa. O sapo então lhe traz a bola de ouro. Quando ele lhe pede que o leve consigo para casa, ela foge e logo se esquece de tudo a respeito do sapo.
Mas, no dia seguinte quando a corte está jantando , o sapo aparece e pede que o deixem entrar. A princesa lhe fecha a porta. O rei, que observa sua aflição, pergunta-lhe qual a sua causa. Ela lhe diz e ele insiste em que suas promessas devem ser cumpridas. Assim sendo, ela abre a porta para o sapo, mas ainda hesita em ergue-lo até a mesa. Novamente o rei lhe diz para cumprir a promessa. A princesa tenta mais uma vez descumpri-la quando o sapo lhe pede para se juntar a ela na cama, mas desta vez o rei iradamente lhe diz que aqueles que a ajudaram quando deles necessitou não devem ser desprezados. Tão logo o sapo se junta à princesa na cama, ela fica tão enojada que o arremessa contra a parede e ele então se transforma num príncipe. Nas maioria das versões, isso ocorre depois d o sapo ter passado três noites com ela. Uma versão original é ainda mais explícita: a princesa tem de beijar o sapo enquanto ele está a seu lado na cama, e então são necessárias três semanas dormindo juntos para que o sapo se transforme em príncipe.
Nessa história, o processo de maturação é acelerado enormemente. No começo, a princesa é uma bela menininha brincando descuidadamente com uma bola. (É nos dito que nem mesmo o sol jamais vira algo tão belo como essa menina.) Tudo acontece por causa da bola. Ela é duplamente um símbolo de perfeição: enquanto esfera e por ser feita de ouro, o material mais precioso. A bola representa uma psique narcisista ainda não desenvolvida: contém todos os potenciais, nenhum dos quais foi concretizado ainda. Quando a bola cai dentro do poço fundo e escuro , a ingenuidade é perdida e a caixa de pandora se abre. A princesa lamenta tão desesperadamente a perda de sua inocência infantil quanto a bola. Somente o feio sapo pode resgatar-lhe a perfeição - a bola -da escuridão em que caiu o símbolo da sua psique. A vida se tornou feia e complicada tão logo começou a revelar seus lados mais sombrios.
Ainda presa aos princípios do prazer, a menina faz promessas visando a obter aquilo que deseja, sem se preocupar com as conseqüências. Mas a realidade se impõe. Ela tenta iludi-la fechando a porta ao sapo. Mas então o superego, sob a forma do rei, entra em cena: quanto mais a princesa tenta ir de encontro às solicitações do sapo, tanto mais energicamente o rei insiste em que ela cumpra as suas promessas até o fim. Aquilo que havia começado com uma brincadeira se torna sério: a princesa deve crescer na medida em que é forçada a aceitar os compromissos que assumiu.
Os passos rumo à intimidade com os outros são esboçados com clareza: primeiramente a menina se acha sozinha brincando com sua bola. O sapo entabula uma conversa com ela ao lhe perguntar o que a aflige; brinca com ela ao lhe devolver a bola. Depois, vem visitá-la, senta-se com eu, come com ela, junta-se a ela em seu quarto e, finalmente, em sua cama. Quanto mais o sapo se aproxima fisicamente dela, tanto mais enojada e angustiada ela se sente, particularmente em ser tocada por ele. O despertar para o sexo não está livre de repugnância ou de angústia, ou até mesmo de raiva. A angústia se transforma em raiva e ódio quando a princesa atira o sapo contra a parede. Ao assim afirmar-se e correndo riscos ao fazê-lo -em oposição às suas tentativas prévias de se esquivar e então simplesmente obedecer às ordens do pai, a princesa transcende sua angústia e ódio se transforma em amor.
De certo modo, essa história mostra que, para ser capaz de amar, uma pessoa tem primeiro que se tornar capaz de sentir; mesmo que os sentimentos sejam negativos, isso é melhor do que não sentir. No começo, a princesa é inteiramente autocentrada; todo o seu interesse está em sua bola. Ela não tem qualquer sentimento quando planeja recuar na promessa feita ao sapo, não pensa em absoluto no que isso possa significar para ele. Quanto mais o sapo se aproxima física e pessoalmente dela, tanto mais fortes se tornam seus sentimentos, mas com isso ela se torna mais e mais uma pessoa. Por um longo período de desenvolvimento ela obedece ao pai, mas seus sentimentos são cada vez mais fortes; então, no final, ela afirma sua independência indo de encontro às suas ordens. Ao assim adquirir individualmente, o mesmo sucede com o sapo, ele se transforma num príncipe.
Num outro nível, a história mostra que não podemos esperar que nossos primeiros contatos eróticos sejam agradáveis, pois são demasiado difíceis e repletos de angústia. Mas, se continuamos, apesar da repugnância temporária, a permitir que o outro se torne cada vez mais íntimo, então num determinado momento experimentaremos um choque feliz de reconhecimento quando a proximidade total revelar a verdadeira beleza da sexualidade. Numa versão de o “Rei eu Sapo”, “depois de uma noite na cama, ela, ao acordar, viu ao seu lado o mais belo cavalheiro”. Assim, nessa história, a noite passada lado a lado ( e podemos supor o que sucedeu durante essa noite) responde pela mudança radical de visão daquilo em que se transformou o parceiro conjugal. Todos os diversos outros contos em que o decorrer dos acontecimentos varia da primeira noite a três semanas aconselham paciência: leva tempo para a proximidade se transformar em amor.
O pai, como tantas histórias do ciclo do noivo animal, é a pessoa que une a filha ao futuro marido em “O rei Sapo”. É somente devido a sua insistência que se dá a união feliz. A orientação paterna, que leva à formação do superego - promessas devem ser cumpridas, por mais irrefletidas que tenham sido -, desenvolve uma consciência responsável. Tal consciência é necessária para uma união pessoal e sexual feliz, a qual, sem uma consciência madura, estaria desprovida de seriedade e permanência.
Mas, e quanto ao sapo? Também ele tem de amadurecer antes que a união com a princesa se torne possível. O que sucede com ele mostra que uma relação amorosa e dependente com uma figura materna é a precondição para se tornar humano. Como toda criança, o sapo deseja uma existência inteiramente simbiótica. Que a criança, não desejou se sentar no colo da mãe, comer de seu prato, beber de seu copo, e não subiu em sua cama tentando dormir ali? Mas, depois de certo tempo, a simbiose com a mãe tem de lhe ser negada, já que a impediria de um dia se tornar um individuo. Por mais que deseje permanecer na cama com a mãe, ela tem de “pô-la para fora” dali -uma experiência dolorosa mas inevitável caso a criança queira conquistar independência. Só quando forçada por seu genitor a parar de viver em simbiose é que a criança começa a ser ela própria, tal qual o sapo, que, “posto para fora” da cama, liberta-se da escravidão a uma existência imatura.
A criança sabe que, tal como o sapo, ela teve e ainda tem de passar de um estado de existência mais baixo para outro mais elevado. Esse processo é perfeitamente normal, uma vez que a situação de vida da criança tem inicio num estado mais baixo, razão pela qual não é necessário explicar a forma animal inferior do herói no começo das histórias de noivo animal. A criança sabe que a sua situação não se deve a alguma má ação ou a um poder nectário; é a ordem natural do mundo. O sapo emerge da vida na água , tal como a criança faz ao nascer. Historicamente, os contos de fadas antecipam em séculos o nosso conhecimento de embriologia, que narra de que modo o feto humano passa por vários estágios de desenvolvimento antes de nascer, tal como o sapo sofre uma metamorfose em seu desenvolvimento.
Mas, por razão, de todos os animais, é o sapo(ou rã, como em “As três Penas”) um símbolo para relações sexuais? Por exemplo, um sapo pressagiou a concepção de Bela Adormecida. Comparado aos leões e outros bichos ferozes, o sapo (ou rã) não desperta medo: é um animal que não é absolutamente ameaçador. Caso seja vivenciado de um modo negativo, o sentimento é de repulsa, como em “O Rei Sapo”. É difícil imaginar um modo melhor de transmitir à criança que ela não precisa temer os aspectos repugnantes (para ela) do sexo do que o modo como isso é feito nesse conto. A história do sapo -como ele age, o que ocorre com a princesa em relação a ele e o que finalmente acontece tanto com o sapo quanto com a menina -confirma o quão apropriada é a repulsa quando não se está pronto para o sexo, e prepara para a sua aprovação no momento adequado.
Embora de acordo com a psicanálise, nossas pulsões sexuais influenciam nossas ações e comportamentos desde o início da vida, há uma enorme diferença entre o modo como essas pulsões se manifestam na criança e no adulto. Ao utilizar-se do sapo como um símbolo para o sexo, um animal que existe sob uma forma quando jovem - como girino - e sob uma forma inteiramente diferente quando maduro, a história fala ao inconsciente da criança e a ajuda a aceitar a forma de sexualidade que é adequada à sua idade, tornando-a ao mesmo tempo receptiva à idéia de que, ao escrever também sua sexualidade deve, em seu próprio interesse, sofrer uma metamorfose.
Há também outras associações, mais diretas, entre o sexo e o sapo que permanecem inconscientes. Pré-consciente, a criança conecta as sensações viscosas e pegajosas que os sapos (ou rãs) lhe despertaram a sentimentos semelhantes que ela relaciona aos órgãos sexuais. A capacidade do sapo de inchar quando excitado desperta, mais uma vez inconscientemente, associações com a cretilidade do pênis. Por mais repulsivo que seja o sapo, tal como vividamente descrito em “O Rei Sapo”, a história nos assegura que até mesmo um animal pegajosamente repugnante se transforma em algo muito belo, desde que tudo ocorra do modo certo, no tempo certo.
As crianças tem uma afinidade natural com os animais e com freqüência se sentem mais próximas deles do que dos adultos, desejando partilhar daquilo que parece ser uma vida animal tranqüila de liberdade dos instintos e de prazer. Mas, com essa afinidade, vem também a angústia da criança de que ela talvez não seja tão humana quanto deveria ser. Esses contos de fadas contrabalançam esse temor ao fazer da existência animal uma crisálida da qual emerge uma pessoa extremamente atraente.
Ver aspectos sexuais nossos como animalescos tem conseqüências extremamente perniciosas, a tal ponto que algumas pessoas jamais conseguem libertar as próprias experiências sexuais - ou as dos outros - dessa conotação. Por conseguinte, deve-se transmitir às crianças que o sexo pode de início parecer repulsivamente animalesco, mas uma vez encontrado o modo adequado de nos aproximarmos dele, a beleza surgirá por trás dessa aparência repulsiva. Aqui, o conto de fadas, sem nunca mencionar ou aludir a experiências sexuais como tais, está psicologicamente mais correto do que boa parte de nossa educação sexual consciente. A educação sexual moderna tenta ensinar que o sexo é normal, agradável e mesmo belo, e certamente necessário para a sobrevivência do homem. Mas, uma vez que não parte de uma compreensão de que a criança pode achar repulsivo, e de que esse ponto de vista tem uma função protetora importante para a criança, a educação sexual moderna não tem poder de convicção para ela. O conto de fadas, ao concordar com a criança que o sapo ( ou qualquer outro animal) é repulsivo, ganha a sua confiança e pode fazê-la acreditar firmemente que, como narra o conto de fadas, no devido tempo esse sapo repugnante se revelará o companheiro mais encantador. E essa mensagem é transmitida sem jamais mencionar diretamente nada de sexual.

Um comentário:

Cida Cotrim disse...

Os contos de fada e as histórias
infantis são muito mais claras para
a pureza das crianças do que os nosssos esforços de adultos querendo explicar mistérios do mundo para os jovens e os quase adultos.